sexta-feira, 20 de agosto de 2010


INQUIETAÇÃO

cláudia helena villela de andrade


Gotejou lá fora.
Não tinha lua
e eu precisava  dela para regular meus mistérios.
Só chuva. Só bocejo molhado de cachorro.
Fechei os olhos e me senti estática na escuridão.
Que temporal!
Nem eu sei do rumo.  Da estrada certa.
E ser poeta não mudou o caminho do vento.
Ele ventou frio e me arrepiou do mesmo jeito.
E me fez fazer perguntas que eu não quero responder.
Gotejou pedaço de nuvem. Granizo gelado de ventos do Norte.
Sem sorte estou eu.
Sem sul. Sem leste. Sem Oeste. Sem norte que não seja o vento.
O galo canta no sereno.
Vou matar esse galo amanhã.
Vou matar esse canto que anda cantando demais  dentro de mim,
porque eu não sei o tom certo dessas notas e posso desafinar.
Deve ser para aliviar que ando querendo ouvir cantoria.
Para descobrir feitiços de fada, duendes, assombrações.
Deixa quieto, inquietação.
Deixa quieto.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010


Instantes

claudia helena villela de andrade

De súbito, um facho de luz no caminho.
Quando termina, quase já está escuro.
Eu fecho os olhos,
respiro curto e subo feliz nesse arco-íris,
felicidade colorida de criança:
pôr-do-sol, alvorada e despedida.
O céu pós-chuva de verão se cala
e eterniza as canções da natureza ressuscitada.
Começam os milagres transcendentais da vida:
um tucano atravessa o meu campo-céu
e um sabiá rouba um grão de ração na vasilha do cão.
O barulho ranheta do gancho da rede na varanda
disputa com os sapos a hegemonia do som.
Perto do lago há patos que se deitam depois das galinhas.
Há penas soltas, espalhadas
(como se houvesse uma rixa antiga).
Há peixes que nadam em águas transparentes.
A rotina se mostra nas frações do momento
entre o pingo da água na fresta da telha
e o mergulho suicida na poça da chuva.
Aos poucos, porém, os pássaros silenciam.
Uma estrela tímida pinta de prata esse telhado.
Extravagante, a lua surge admirada.
Devagar a vida diurna se apaga
e o arco-íris me entrega à realidade.
A noite está tão clara e o vento assobia.
A brisa vem e me devolve a alma.