terça-feira, 15 de novembro de 2011

poesia






PERENE

claudia helena villela de andrade

Perene é a água dos olhos.

Gotículas perpétuas de sal.

Filete de água que enruga a testa,

goteja, evapora e volta.

Em cada gesto a delicadeza do afeto

que embaça o sonho,

que chora, inesperadamente

nas dobras dos punhos,

na pupila da alma que a realidade degola

ofegante de medo.

Preto e branco. Desafinado. Torto.

Eternizado no sonho.

Viajante silencioso que bate a porta atrás de si

sem olhar para trás.

Com cem olhos para frente.

Se fosse cego, perene seria o eco.











quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Poeminha rápido



Constatação


cláudia helena villela de andrade



Semente

no chão

rega-se :

paixão



O olho de gato anuncia:



Sete vidas

Sete destinos,

Sete dores,

nenhuma saída.

domingo, 24 de julho de 2011

Belle-de-jour



BELLE-DE-JOUR




cláudia helena villela de andrade

Catherine disse à mãe que ia ao cinema naquela tarde, mas foi ao motel com dois homens. Foi amordaçada e violada. Depilaram-lhe todos os pêlos. Passaram máquina zero nos seus lindos cabelos ruivos. De volta à casa materna, contou que depois do cinema fez um tal de alisamento japonês. Não deu certo. Os cabelos caíram.
Dia seguinte, de neuve no motel, Catherine fedeu. Foi, sem saber com quem. Amanheceu vestida e morta. Degolada. A cabeça estava em cima da televisão, porém a careca estava coberta por uma peruca ruiva.
Depois do enterro, a mãe de Catherine foi ao cinema que a filha gostava tanto. Comeu pipoca, tomou refrigerante, saiu sorrindo da sessão-comédia e esqueceu a adaga na cadeira ao lado.

sábado, 18 de junho de 2011

Hibernação




HIBERNAÇÃO

 
claudia helena villela de andrade




Nessas paragens rebrilham com desvelos
os cata-ventos ancestrais.
Contraditório ao tempo,
fenômenos sopram lembranças
retorcendo os enigmas sombrios.
Vacilo entre um bocejo e outro,
trazendo à tona o meu tédio.
Às avessas, escondo-me no casulo com hálito de silêncio.
Palavras se aquietam em minha boca.
Consumo o lume que verto pelas ventas.
Cansada dessas banalidades do planeta, dos revoos,
desses enredos inertes,
hiberno na minha caverna para ser eu mesma.

sábado, 7 de maio de 2011

Quando o tiro sai pela culatra



Quando o tiro sai pela culatra


Claudia Helena Villela de Andrade



Hoje acordei, liguei meu computador e li em letras garrafais, estampadas em um site: “Bolsonaro diz, próximo passo é a legalização da pedofilia”. Chocada eu pensei: Meu Deus, ninguém vai calar a boca desse sujeito? Não existe lei para isso? Um homem público, como ele, pregando, a céu aberto, a violência, o preconceito, a arrogância, a incompreensão cruel dos que determinam o que é certo ou errado. Olhei a sua foto e o que vi foi um daqueles Inquisidores da Idade Média. Seus olhos brilhavam de tanto ódio pelos diferentes e especiais. Respirei fundo para não me desarmonizar com pessoas que não valem à pena. Contei até dez pedindo a Deus que me fizesse compreender aquela criatura (sim, Deus, porque eu tenho um Deus e ao contrário do que ele pensa, o meu Deus me ama muito. O Deus dele é que eu não sei se o ama).

Imediatamente após esses momentos de reflexão, algo me fez perceber que, na verdade, o tiro do Bolsonaro estava saindo pela culatra, pois ele está chamando a atenção das autoridades e dos homens sérios e sensíveis desse pais para a necessidade de se estabelecerem leis que defendam a dignidade dos homossexuais. O mal nunca vence o bem, é um clichê, eu sei. O Universo conspira a favor do amor e faz com que, o que parece ruim, se torne bom.

Quantos homossexuais são pedófilos? Eu não conheço nenhum. Pode até ser que exista. Mas não é neste grupo que a estatística aponta como maioria. Não quero jogar pedras no telhado de ninguém. A pergunta foi só uma reflexão.

Acabei minha meditação feliz e confiante. O pobre Bolsonaro está mesmo é sendo usado para que se estabeleça a verdadeira dignidade em todos os seres, sem discriminação. Provavelmente ele deve ter sofrido muito na infância ou na adolescência. Seres que tratam desse tema com crueldade e repulsa, provavelmente sofreram e sofrem, inconscientemente, grande conflito com a sua sexualidade.

Nada se perde, Sr Bolsonaro. Sua propaganda só tem ajudado. Continue assim, por favor. Uma vitória já aconteceu...outras mais, virão. A escuridão, segundo Einstein, é apenas a ausência de LUZ.

sexta-feira, 29 de abril de 2011




DECLARAÇÃO DE BENS

cláudia helena villela de andrade


Quero declarar meu amor ao imposto de renda

e ver se ele me devolve o meu bem estar,

não me cobrando taxas extras,

em parcelas iguais sem carinho e afeição.

Quero ver se o leão não morde minha individualidade

e me deixa ser apenas mais uma declarante...de amor.

Vou tentar passar pela malha fina sem responder nada !

Ah, fisco danado !

Quero gravar em cd meus gritos de prazer !

E, fora do prazo, entregar minha vida em suas mãos !

Vou beijar seu site,

fazer carinho no recibo carimbado,

sem lacre, sem cola...

Declarar meus bens, muito bem...

bem até demais
(e sem menopausa),

 até o ano que vem !

sexta-feira, 8 de abril de 2011



DAS BREVIDADES...


cláudia helena villela de andrade


Que breve pode ser o amor...

Efêmero aos olhos atraentes,

Instável quando inexistente

Eterno sempre que verdadeiro.


Que breve nunca seja a poesia...

Do encanto maior do seu autor

Do ritmo que balança os versos

Da magia da pena sobre o branco.


Que breve é a vida...

Renovada a cada aurora,

Desabrochada num vermelho dia

Para o consolo de todas as almas.


Que os pássaros batam suas asas

Em vôos longos, por terras estrangeiras

Mas voltem a cantar em nossas janelas

Tão breve quanto o tempo assim marcar.


E a Brevidade (quitute antigo)

Feita em forma de empada,

De tenra massa polvilhada,

Ainda que breve como a vida,

Seja degustada e digerida...

sexta-feira, 18 de março de 2011

Palavras...



O Vendedor de palavras
(Fábio Reynol)



Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras. Em um

programa de TV, viu uma escritora lamentando que não se liam livros

nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal

tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, "indigência

lexical". Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma

idéia fantástica. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado

cavar espaço entre os camelôs.

Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: mesa,

o dicionário e a cartolina na qual se lia: "Histriônico - apenas R$
0,50"


Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinqüenta

curiosos parasse e perguntasse.

- O que o senhor está vendendo?

- Palavras, meu senhor. A promoção do dia é "histriônico" a cinqüenta

centavos, como diz a placa.

- O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.

- O senhor sabe o significado de "histriônico"?

- Não.

- Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já tem ou

coisas de que elas não precisem.

- Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.

- O senhor tem dicionário em casa?

- Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.

- O senhor estava indo à biblioteca?

- Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.

- Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a

alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas

cinqüenta centavos de real!

- Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?

- Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e

terá de jogá-la fora e o feijão caruncha.

- O que pretende com isto? Vai ficar rico vendendo palavras?

- O senhor conhece Nélida Piñon?

- Não.

- É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o país

sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos

por aqui.

- E por que o senhor não vende livros?

- Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado,

portanto eu as vendo no varejo.

- E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são

palavras, não enchem a barriga.

- A escritora também disse que cada palavra corresponde a um

pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma

palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos

novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que

furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os

relógios do meu colega aqui do lado. Olhe aquela senhora com o

carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de

dona-de-casa, ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou

minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas

nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um

dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a

carga. Suponho que para cada pessoas que se dispõe a comprar uma

palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil

pensamentos novos em um ano de trabalho.

- O senhor não acha muita pretensão? Pegar um...

- Jactância.

- Pegar um livro velho...

- Alfarrábio.

- O senhor me interrompe!

- Profaço.

- Está me enrolando ,não é?

- Tergiversando.

- Quanta lenga-lenga...

- Ambages.

- Ambages?

- Pode ser também "evasivas".

- Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!

- Pusilânime.

- O senhor é engraçadinho, não?

- Finalmente chegamos: histriônico!

- Adeus.

- Ei! Vai embora sem pagar?

- Tome seus cinqüenta centavos.

- São três reais e cinqüenta.

- Como é?

- Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de

entregar para o senhor. Só "histriônico" estava na promoção, mas como

o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço.

- Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?

- É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?

- Tem troco para cinco?

Fábio Reynol é jornalista especializado em ciências e escritor.


haikai da dor


cláudia helena villela de andrade

2011

harakiri

meu amor!



domingo, 16 de janeiro de 2011

Estado do Rio de Janeiro




Prenuncio do fim

claudia helena villela de andrade



janeiro após janeiro

madruga de caos

mar/montanha choram

a lágrima da/na terra