domingo, 22 de janeiro de 2012


VIGÍLIA

Cláudia Helena Villela de Andrade




 Se eu não dormir?



Ultrapassar sem falha

A impaciência da insônia,

Das horas no vácuo,

Ouvindo o pêndulo do relógio da sala

E a luz da lua que não se mexe

No silêncio de Orion sem cauda,

Fixa, permanente.



Vou plantar sonhos na minha seara.

 Ceifar a noite decantada de madrugada,

Sem descanso, feito um rio de inverno que não seca,

Filete sem vida.

Insistente.


 Se eu não dormir?

O sabiá não cisca o grão na minha mão

Porque a trava do viveiro quebrou

E os pássaros migraram de mim...

Estão aqui e deixaram-me.

Voam sobre pastagens e

Perseguem os cantos de quem nunca morre.

Não adianta ter pássaros em gaiola.

 Se eu não acordar?

Meus olhos vão sangrar

De peso e de pedra.

Minhas mãos, em cruz,

Sem o próprio abraço.

Nem a terra há de querer

O resto sólido da minha alma.

Para sempre insepulta.






quinta-feira, 19 de janeiro de 2012



Te (a ) mores



Cláudia Helena Villela de Andrade

No jantar de ontem eu comi um gato.
Ele estava vivo e esperneava pela minha goela abaixo.
Quando só faltava entrar a cabeça,
ele miava, gritando feito um louco.
Eu sentia o cheiro do mijo dele.
(Mijo de gato é selvagem, forte, agourento.)
Ele urinava até escorrer pelas minhas pernas.

Meu avesso estava todo arranhado.
Eu sangrava. Ele miava dentro de mim.
Peludo, dava-me enjôo.
Asmático,  deixava-me sem ar.
Estúpido, dengoso, dissonante.

(Lua que canta fora do céu:
nobody, nobody.)

Gatos cantam sob a lua cheia
no silêncio do tempo.
Olhando a gente no olho
com amor e coragem.





Vício

Cláudia Helena  Villela de Andrade



Enriquecer aborrece-me,
porque a fartura faz preguiça
numa lengalenga de balanço,
num ritmo de dar gastura.

E o que desejo, passa depressa
em dias de muita precisão.
Mas passa sem desenvoltura
nas noites aperreadas. Solidão.
 
Pensando no quê mais precisar
se tudo tenho e não divido.
Só quero mesmo é juntar,
dinheiro, pão, egoísmo.
Amor é divino querer,
que, acho, não vou merecer.
Então, o que posso fazer?
Enriquecer, enriquecer.