terça-feira, 16 de outubro de 2012

Um buraco sem fim




     UM BURACO SEM FIM

    claudia helena villela de andrade

    Primaverei pela primeira vez numa véspera da estação das flores, num vinte e dois de setembro, nem sei que ano. Foi um dia. Não. Não é nascimento, que sou de outubro do dia cinco.  É primaverar. Mais que isso. Desabrochar, brotar, germinar, aparecer, sangrar. Sair da meninice e ser mulher. Não é mais que nascer? É sim. É nascer duas vezes, pois aí se atina para vida e  se começa a notar que o coração bate por um bom  motivo. Quase sempre, nessa época, o coração bate por um par de calças bem marcadas com volume e  fogosidade. Feridas a gente ainda não tem. Só as dos joelhos manchados de mercúrio cromo por algum tombo de bicicleta ou as do canto do dedo da  unha roída. Mas as cascas dessas feridas começam a cair justo nesse momento. Só muito depois é que a gente vai dar conta de que essas feridas eram ótimas. Mas, isso é só muito depois. Caem e nascem outras mais dolorosas, demoradas na cicatrização. Feridas que partem pra cima da gente como uma pedrada, sem a menor comiseração. Rápido começo de vida. Chegam os tropeços, os enganos. Chegam as mentiras, as fantasias e os desejos. Impulsos  de botar o dedo na panela quente. Queimar, arder, queimar, não importa. O sentir é mais que toda a primavera junta. É toda estação florida. Cores, perfumes, calor e alguma chuva. A pele muda. Os pés só querem dançar e o corpo balança de um jeito assanhado, moleque, faceiro. Quem está de fora adivinha a intenção e a cara nem fica vermelha. A cara ainda acredita na vida e nunca olha pra baixo. Tempo bom! Ai, que saudade dói! O pensamento só se ocupava disso. Só isso. Primaverar em paz. Pensei que fosse durar para sempre. Pensei que a velocidade fosse coisa da  modernidade. No fundo a gente pensa tudo errado de tudo. E  tudo é um buraco sem fim. Nem sei se ainda existe primavera. Existe?

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